Fernanda Xerez

O amor é de essência divina, portanto, sagrado!

Textos



A ÚLTIMA MORADA

Ora, seu José estava muito doente, com um câncer devastador. Precisou fazer uma cirurgia muito delicada. Fez. Correu risco de morte, mas sobreviveu ainda por 6 anos.

À época da sua cirurgia, em 1984, sua filha Antonia se juntou com a mãe, a dona Helena e ambas resolveram comprar um jazigo, pois caso acontecesse o pior, já estariam previnidas. Compraram, ou melhor, a filha comprou, com seus próprios recursos e colocou a familia como beneficiária. As duas decidiram não contar para o doente, poderia ser encarada como uma noticia mórbida. E era.

E o tempo passou calmamente, mas o seu José acabou descobrindo o segredo, como todos os segredos são revelados, mais dia, menos dia.

Um bom tempo depois ele mandou chamar Antonia, sua filha caçula e lhe disse:

- Vamos ao cemitério, quero conhecer a minha última morada.

Apesar de achar a idéia sem fundamento e um tanto quanto fúnebre, Antonia não ousou questinoar a ordem paterna, embora já tivesse por volta dos seus 32 anos e fosse mãe de um menino de 3 anos. Obedeceu.

E foram, o seu José, dona Helena e a Antonia, que os levou no seu próprio carro. Chegando no cemitério foram à Administração, pois a própria Antonia nem sabia onde ficava o jazigo, e com as informações se dirigiram ao local.

Era coisa de 16 horas, aquele sol de fim de tarde, um pé de jambo fazia sombra no jazigo, que ficava muito próximo a uma cerca que separava o cemitério de um sítio vizinho. E ali, naquele sitio, tinha um rapaz tocando banjo.

Tudo aquilo chamou a atenção do seu José e ele disse:

Olha, quando eu vier descansar na minha última morada, terei esse pé de jambo que me dará sombra, e riu, aquele risinho de meia-boca que só ele sabia dar. . E aproveitando o ensejo da brincadeira, dona Helena falou:

- Veja, meu velho, e mais este fundo musical e apontou para o jovem rapaz tocando banjo, do outro lado da cerca.

Todos riram e se afastaram do local. No caminho de volta para o carro, o Seu José tascou essa:

- Quando eu morrer, não quero muita gente no meu enterro, sou timido e vou sentir vergonha.

Sua filha olhou pra ele e disse:

- Dificil papai, visto que o senhor é tão querido, tanto na sua própria familia como na familia da mamãe, e dos seus colegas do trabalho (ele já estava aposentado), e dos vizinhos e dos amigos que angariou ao longo da vida.

Ele deu um muxoxo, fez uma careta que lhe era peculiar e não disse nada. E foram todos pra casa.

Em 1990, no dia 26 de fevereiro, seu José faleceu. Antonia, com uma profunda dor no coração, tomou conta dos preparativos para o velório e o sepultamento, inclusive telefonando para o cemitério dando ordem para que fosse aberto o jagizo (a última morada) como seu pai se referira. E o seu José inaugurou o jazigo. Naquela manhã de segunda-feira de carnaval, foi velado e depois sepultado, às 9 horas. O féretro, debaixo de uma chuvinha fina, chegou à sepultura, seguido por poucas pessoas.

Devido ao feriado momino, muitas pessoas estavam viajando e o seu José teve um sepultamento do jeito que ele queria.
 
E foi assim.





CASO VERIDICO:
* seu José - meu pai
* dona Helena - minha mãe
* Antonia (eu) - sou Fernanda Antonia
Fernanda Xerez
Enviado por Fernanda Xerez em 18/05/2011
Alterado em 02/03/2015
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